Muitas pessoas hoje têm, ou dizem ter, intolerância ou sensibilidade ao glúten ou, ainda, doença celíaca. Mas, para falar sobre esse assunto, é preciso entender o que é cada coisa, quais suas origens, como é conviver com as limitações impostas pela restrição e quando esta é realmente necessária.
É o glúten que dá aquele cheirinho de pão saindo do forno, macarronada de domingo, quiche e empadinha no lanche da tarde… E, mesmo assim, ele virou um grande vilão nos últimos tempos. Não se trata apenas de resistir e banir delícias e tradições. Trata-se de avaliar a real necessidade de se privar de algo de que se gosta, porque algumas pessoas dizem que o trigo e outros alimentos que contêm glúten são os piores alimentos que existem. Antes de tirar o glúten da dieta, vale a pena pensar a respeito.
O glúten é uma proteína encontrada em alimentos como trigo, cevada e centeio, que causa uma reação imunológica à ingestão em pessoas que têm doença celíaca. Ao longo do tempo, essa reação causa inflamação na mucosa do intestino delgado, podendo ocasionar complicações, como a redução da absorção de alguns nutrientes. Daí o principal sintoma ser a diarreia. Porém, podem haver outros sintomas, como inchaço, fadiga, gases, anemia e osteoporose. Essa doença acomete 1% da população mundial e os celíacos precisam fazer restrição drástica de glúten por toda a vida, já que não há tratamento e nem melhora dos sintomas em caso de não exclusão desse nutriente.
Há, também, muitas pessoas que relatam sintomas relacionados ao glúten, mas sem evidências de doença celíaca. Uma das causas pode ser a alergia ao trigo, caracterizada por uma reação imunológica adversa às proteínas do trigo mediada por IgE, podendo ocorrer sintomas respiratórios (como asma e rinite, majoritariamente em adultos), alergia alimentar (sintomas gastrintestinais, urticária, angioedema ou dermatite atópica, principalmente em crianças) e urticária de contato. O diagnóstico inclui dosagem sérica de IgE e testes alergênicos cutâneos para o trigo.
A sensibilidade ao glúten não celíaca é uma forma de intolerância bastante relatada por muitas pessoas, e considerada quando a doença celíaca e a alergia ao trigo foram excluídas. Não existem biomarcadores para realizar o diagnóstico laboratorial, mas sintomas como desconforto abdominal, distensão abdominal, dor e diarreia, além de sintomas extraintestinais, como dores de cabeça, “mente nebulosa”, depressão, fadiga, dores musculoesqueléticas e erupções cutâneas podem estar presentes.
Também é levantada a questão sobre a incerteza de que o causador de tantos malefícios seja realmente o glúten. Estudos científicos têm demonstrado que frutanos fermentáveis (carboidratos presentes no trigo) podem provocar sintomas gastrintestinais na síndrome do intestino irritável. Assim, a retirada de alimentos contendo glúten reduz também a ingestão de frutanos, que interagem com a microbiota intestinal, produzindo gases e fermentação e, com a exclusão desses alimentos da dieta, os sintomas diminuem drasticamente. As evidências científicas atuais indicam que a retirada de oligossacarídeos, dissacarídeos, monossacarídeos e polióis (FODMAPs) fermentáveis, na síndrome do intestino irritável, trazem mais benefícios do que uma dieta sem glúten.
Sendo assim, há realmente situações clínicas em que a exclusão do glúten da dieta torna-se necessária, para a saúde e o bem estar da pessoa. Levando-se em conta que a exclusão do trigo da dieta a torna muito mais restrita do que uma dieta livre, inclusiva e sem banimento de qualquer alimento, acredito que essa imposição deva ser feita em casos estritamente necessários. Aqui, portanto, não estão incluídos hábitos alimentares baseados em modismos, em achismos ou em evidências científicas frágeis. Deixemos as restrições severas para os casos de real necessidade e aprendamos a lidar melhor com os alimentos, utilizando-os de forma mais inteligente e diversificada porque, assim, equilibramos a ingestão de todos os alimentos de que gostamos e oportunizamos o aproveitamento, pelo nosso corpo, de todos os nutrientes de que ele precisa.
De fato, o excesso nunca é bom, com relação a nenhum alimento. Comer pão no café da manhã, barrinha de cereal no lanche da manhã, empadão no almoço, biscoitos e mais biscoitos no lanche da tarde e uma macarronada ou um sanduíche no jantar, eu diria que é um exagero. Com tantos alimentos diferentes, não é possível que só lembremos desses no nosso dia a dia. Mas isso absolutamente não quer dizer que reeducar a alimentação signifique comem pão sem glúten, barrinha sem glúten, macarrão sem glúten, biscoito sem glúten e está tudo resolvido.
As pessoas que eu acompanho, ajudando a mudar sua relação com a comida e a incluir todos os alimentos em seu cotidiano, conhecem a realidade de comer de tudo um pouco e um pouco de tudo. É assim que se começa uma relação de amor com a comida. Ela, que nos abastece para que consigamos dar conta da nossa rotina, todos os dias.